A Dor Fala Através do Comportamento
Cães e gatos não usam palavras, mas comunicam de muitas outras formas: e as alterações no comportamento podem ser o primeiro sinal de dor. Quando a dor persiste, não afeta só o corpo. Pode transformar até o animal mais sociável num companheiro apático, ansioso ou até agressivo. A dor não é só física — é também emocional. Ignorá-la ou tratá-la mal pode minar não só a saúde do animal, mas também a relação que temos com ele.
É um erro comum pensar que um animal só reage à dor quando é tocado. No entanto, muitos cães e gatos reagem a aproximações, movimentos ou até rotinas do dia-a-dia, por associarem esses momentos a experiências dolorosas anteriores. O simples facto de preverem uma situação desconfortável pode ser suficiente para desencadear comportamentos defensivos como o rosnar, esconder-se ou até morder. Este tipo de comportamento não tem a ver com desafio, teimosia ou mau carácter. Tem a ver com sobrevivência.
Como Identificar a Dor?
Nos animais, a dor não se manifesta por palavras, mas sim através de alterações subtis no comportamento e na postura — sinais muitas vezes desvalorizados, mas que podem indicar dor física, incluindo dor crónica ou neuropática.
Muitos cães e gatos escondem a dor como mecanismo instintivo de sobrevivência, para não parecerem vulneráveis. Por isso, é essencial estar atento a mudanças de rotina ou atitude.
Alguns dos sinais que podem indicar dor incluem:
Estes sinais são inespecíficos, ou seja, podem também surgir noutras condições (ex.: medo, stress, alterações cognitivas). No entanto, a dor deve ser sempre considerada como hipótese até prova em contrário — especialmente em animais geriátricos ou com doenças crónicas.
Sinais mais evidentes a considerar:
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Arfar/Respiração acelerada em repouso (não relacionada com calor, exercício, stress ou patologias cardíacas e respiratórias).
- Vocalizações, aumento/diminuição. Uma vocalização a ter em atenção é o ronronar nos gatos que é também utilizado como uma forma de auto-regulação e pode ser um sinal de dor.
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Alterações na expressão facial e linguagem corporal: olhos vidrados, orelhas baixas, sinais de stress ligeiro (ex. lamber o focinho quando nos aproximamos ou tocamos).
- Resistência ao toque ou manipulação: O animal evita ser acariciado ou manipulado, mesmo em zonas que antes tolerava bem.
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Tremores e salivação excessiva.
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Hiperalerta ou “freezing” (imobilidade) em situações onde antes havia tranquilidade.
Porquê prestar atenção a estes sinais?
A dor crónica mantém o cérebro em estado de alerta constante, ativando repetidamente os circuitos relacionados ao stress e à ansiedade. Este ciclo contínuo contribui para o aumento da ansiedade, que por sua vez amplifica a perceção da dor. Com o tempo, instala-se um ciclo vicioso: estímulos neutros (como um toque ou aproximação) passam a ser interpretados como ameaças, resultando em reações exageradas como agressividade ou fuga.
Reconhecer estas mudanças comportamentais não só ajuda a quebrar o ciclo dor–ansiedade, como permite detetar mais cedo doenças subjacentes, garantindo um diagnóstico precoce e um tratamento mais eficaz.
Autora
Patrícia Esteves
Comportamentalista Clínica - Yris HubBibliografia
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