Botões de Gravação de Voz

Comunicação Avançada ou Moda Passageira?

Imagine o seu cão a carregar num botão que diz “passear” quando quer ir à rua, ou em “brinquedo” quando quer brincar, e até combinar palavras como “praia” e “bola” para comunicar que quer ir à praia brincar com uma bola. Parece um cenário de um filme de ficção científica, mas esta é a proposta dos botões de gravação de voz para cães, uma tendência que se tornou viral nas redes sociais e divide opiniões: será um passo revolucionário na comunicação entre espécies ou estamos a projetar a nossa capacidade de linguagem nos cães? Vamos explorar o que a ciência revela e se vale a pena experimentar esta ferramenta.

O Que Diz a Ciência?

O projeto “They Can Talk” da Universidade da Califórnia, sugerem que alguns cães conseguem associar sons a ações ou objetos específicos. Por exemplo, se carregarem num botão com a palavra “brincar” e receberem uma bola, aprendem a repetir o gesto. No entanto, a maioria dos cães não vai além de associações simples, e o uso criativo de combinações (como “praia” + “bola”) é raro e difícil de comprovar.

– Associações Contextuais: Cães ligaram botões a ações. Exemplo: 70% foram buscar brinquedos ao ouvirem “brincar”.

– Limitações: Não houve respostas consistentes para palavras como “comida”, e não foi provado que entendem o significado das palavras — apenas associam o botão a uma recompensa.

Então será que os cães realmente entendem as palavras gravadas ou estão apenas a seguir pistas visuais e rotinas como a hora da refeição?

  • Um estudo recente de Higaki e colaboradores (2025), publicado na Scientific Reports, acrescentou um detalhe crucial: a qualidade do som importa – e os populares botões de gravação de voz podem não ser tão eficazes quanto parecem.

Esta pesquisa testou 3 grupos de cães:

  1. Cães Comuns: Treinados para responder a pistas verbais de ações (ex: “deitar”).
  2. Cães GWL (“Superdotados”): Cães com vocabulário de até 30 palavras.
  3. Novos Aprendizes: Cães GWL aprenderam nomes de brinquedos através de gravações.

Dispositivos Testados:

  • Voz humana ao vivo (padrão-ouro).
  • Coluna de som JBL (alta qualidade).
  • Botões de Gravação de Voz (gravações de baixa qualidade).

Resultados:

A Voz dos tutores ao vivo

Quase 100% de acerto em pistas verbais para ir busca de brinquedos.

Coluna de Alta Definição

70% de precisão (queda significativa, mas funcional).

Botões de gravação de voz

Menos de 30% de sucesso – os cães não reconheciam as palavras.

Resultados Chocantes: Os Botões de Gravação de Voz Não Passaram no Teste! Mas qual a Razão?

Os botões de gravação cortam os tons graves (abaixo de 1.000 Hz, que são a ‘base’ da voz, como o ronco do «o» em «bola») e eliminam os agudos (acima de 5.000 Hz, onde estão detalhes como o «s» ou o «l»), deixando apenas sons médios distorcidos. Para os cães, que ouvem até 45.000 Hz, a voz perde a naturalidade e parece uma gravação de telemóvel antigo, cheia de chiado e sem emoção — como se alguém falasse debaixo de água, impossibilitando que reconheçam palavras familiares como «água» ou «brincar».

Por que é que isto acontece?

  • Cães ouvem “mais” que nós: Eles detetam frequências altíssimas (até ultrassons) que os humanos ignoram, mas os botões não reproduzem essas faixas.

  • Voz humana “mutilada”: Sem graves (emoção) e agudos (clareza), o cão não consegue associar o som à voz real do dono, ouvindo apenas um ruído vazio, sem significado.

Quando a palavra ‘bola’ é reproduzida por um botão AIC, os cortes de graves (abaixo de 1.000 Hz) abafam a ressonância do ‘o’, e a eliminação de agudos (acima de 5.000 Hz) desfoca o ‘l’, resultando num som artificial, metálico e sem nuances — semelhante a uma voz robótica ouvida através de um telemóvel com interferências, irreconhecível para o cão.

Se um cão ouvisse a palavra “bola” através de um botão AIC, seria algo como:

“Bzz-lá”

Como Explicar os Vídeos de Sucesso?

Se os botões não transmitem palavras claras, por que alguns cães parecem usá-los corretamente? A resposta está noutras habilidades dos cães:

Os cães associam a localização do botão ao resultado. Exemplo: se o botão “passear” está no mesmo sítio ou até mesmo perto da porta, o cão aprende que “aquele sítio = sair”. Estudos mostram que, ao trocar os botões de lugar, muitos erram.

Se carregar no botão “brinquedo” resulta numa bola, o cão repete a ação — não por entender a palavra, mas porque aprendeu que a ação traz recompensa.

Os cães são mestres em captar gestos, olhares ou rotinas. Antes de carregar no botão, o tutor pode pegar na trela ou olhar para a porta, e o cão associa esses sinais à ação.

E as Combinações de Botões (ex: “bola + praia”)?

Alguns tutores relatam sequências “intencionais”, mas a ciência sugere explicações mais simples: acidentes reforçados: se o cão carrega em dois botões aleatoriamente e ganha um passeio, repete a combinação e imitação: Se o tutor usa sequências (ex: “bola + praia”), o cão pode copiar o padrão sem entender o contexto.

Em outras palavras, os cães do estudo de Bastos et al (2024) podem não estar a entender as palavras dos botões, mas sim a aprender que certas ações (pressionar um botão) levam a resultados desejados, independentemente da qualidade do som. A “comunicação” observada é mais funcional do que linguística.

Os cães não precisam de linguagem para serem incríveis. Sua capacidade de ler o ambiente, memorizar padrões e decifrar humanos já os torna mestres da comunicação. Os botões de gravação de voz podem ser boas ferramentas de enriquecimento ambiental, mas não são “tradutores”: e revelam mais sobre a nossa vontade de conectar do que sobre a mente dos cães.

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Autora

Patrícia Esteves
Comportamentalista Clínica - Yris Hub

Bibliografia

  • Aprendizagem
  • Treino Animal